segunda-feira, 16 de maio de 2011

SETE CASOS DE HIDROPISIAS FETAIS

A. M. F. M. Pereira 1

1 Associação Agrícola de São Miguel, Campo de Santana, 9625 – Ribeira Grande; Serviço de Desenvolvimento Agrário de São Miguel, 9500 – Ponta Delgada

Este artigo relata sete casos de anomalias fetais (hidropisias): Hidrocefalia (2), Ascite (3), Hidrocele Testicular Bilateral e Ascite (1) e Anasarca (1), observados pela médica veterinária Ana Pereira na clínica de bovinos leiteiros na ilha de São Miguel (Açores) ao serviço da Associação Agrícola de São Miguel, no período entre Novembro de 2006 e Novembro de 2008.
O veterinário na clínica de bovinos leiteiros é persistentemente solicitado a intervir na área da obstetrícia (gestação, parto e puerpério).
As vacas gestantes exigem uma atenção especial e o momento do parto é de fundamental importância, pois as manipulações inadequadas ou uma assistência tardia podem prejudicar o vitelo e a vaca. A incompatibilidade no tamanho do feto e da pélvis da vaca, a apresentação, a posição e/ou a postura anormais do feto no útero são das causas mais relevantes de distócia fetal em bovinos leiteiros.
De natureza diversa e apesar de pouco frequentes, as anomalias e malformações fetais como, por exemplo as hidropisias, são quase sempre incompatíveis com a vida do vitelo, indutoras de distócias mais ou menos complicadas que até podem comprometer a vaca (doença, morte ou refugo). Assim, num parto, nem sempre é possível salvar mãe e filho.

Quadro 1. Definições
Distócia
Dificuldade de nascimento ou “parto difícil” que necessita de auxílio humano (manipulações obstétricas, fetotomia ou cesariana) para a resolução. Origem materna e fetal
Hidropisia Fetal
Acumulação de líquido seroso em orgãos ou regiões do corpo do feto presente no útero materno. Esse acúmulo ocorre geralmente na cabeça ou abdómen e origina um feto maior e desproporcional
Hidrocefalia
Acumulação de líquido cefaloraquidiano dentro dos hemisférios cerebrais (cavidade craniana), por alteração na sua produção (raro) ou inibição do seu fluxo
Ascite
Acumulação de líquido na cavidade abdominal
Hidrocele Testicular
Acumulação de líquido no testículo (interior da túnica vaginal). Unilateral (mais frequente) ou bilateral. Pode ser secundário a ascite pela comunicação fisiológica da túnica à cavidade peritoneal
Anasarca
Acumulação de líquido sob a pele do corpo (edema generalizado)
Hidropisia Uterina
Acumulação de líquido no útero. Hidroâmnio ou Hidroalantóide


Os dados referenciados foram recolhidos do caderno de registo diário de casos e arquivo fotográfico informático pessoal da médica veterinária Ana Pereira. Esses registos foram analisados e seleccionados todos os casos de hidropisias fetais ocorridos nesse período de dois anos.
O quadro 2 expõe os elementos referentes a cada caso (comunicação para assistência veterinária, data e hora da consulta, exame obstétrico, procedimentos de resolução da distócia e tratamento médico da vaca). Apresenta-se uma imagem de cada vitelo. Finalmente, faz-se uma análise dos casos e são apresentadas as conclusões sobre as hidropisias fetais.


Quadro 2. Síntese dos Casos

Casos
Comunicação do Proprietário para Assistência

Data e Hora da Consulta

Exame Obstétrico

Resolução da Distócia e Tratamento Médico da Vaca
Figura 1. Neo-nato (vitelo Frísia) com Hidrocefalia
Caso 1

“Tenho uma vaca que não consegue parir, tem um vitelo com um “capacete” na cabeça!”



11-11-2006
21:10




Apresentação fetal anterior, 2 membros flexionados e cabeça deformada

Cefalocentese, manobras obstétricas para orientação dos membros e da cabeça e tracção. A vaca apresentava-se bem e não foi medicada
Figura 2. Nado-morto (vitela Frísia) com Hidrocefalia Caso 2

“Tenho uma novilha para parir, mas o vitelo tem a cabeça de lado!”



23-04-2007
06:30




Apresentação fetal anterior, com desvio lateral da cabeça

Não se conseguiu manipular a cabeça, restava a cesariana, mas a novilha foi para abate *
Figura 3. Nado-morto (vitelo Frísia) com Ascite e Artrogripose (1)
Caso 3

“Tenho uma vaca que não consegue parir, estou a puxar o vitelo há 1 hora e nada!”



15-12-2006
22:20



Apresentação fetal anterior, membros rígidos e deformados (1) (o vitelo apresentava alguma alopécia e mau cheiro (morte há mais de 2 dias)

Por tracção (2 pessoas) e auxílio de lubrificante o vitelo acabou por nascer. ** Aplicação de soro salino hipertónico, glicose, cálcio e anti-inflamatório (AI) EV e antibiótico (AB) IM na vaca
Figura 4. Nado-morto (vitela Frísia) com Ascite
Caso 4

“Tenho uma vaca que não consegue parir, já puxei o vitelo, mas não nasce!”



16-06-2008
19:15




Apresentação fetal anterior (feto já traccionado por mais de 30 minutos)

Foi realizada cesariana por laparotomia do flanco esquerdo e aplicado AB e AI 5 dias, tendo a vaca recuperado bem
Figura 5. Nado-morto prematuro (vitela Frísia) com Ascite Caso 5

“Tenho uma vaca que vai abortar!”



08-05-2008
11:30




Apresentação fetal anterior (feto prematuro com 7 meses)

Por tracção nasceu um feto pequeno ainda que ascítico. Aplicação de prostagladina Fe AB IM 3 dias na vaca
Figura 6. Nado-morto (vitelo cruzado Frísia-Jersey) com Hidrocele Testicular Bilateral e Ascite
Caso 6

“Desde esta manhã, tenho uma vaca que está para parir e ainda nada!”



03-08-2007
14:00




Apresentação fetal posterior, membros flexionados e testículos muito volumosos

Manobras obstétricas para orientação dos membros posteriores no canal cervical e tracção. Aplicação de AI e AB IM e AB intra-uterino na vaca
Figura 7. Nado-morto (vitelo Frísia) com Anasarca
Caso 7

“Tenho uma vaca que não consegue parir, o vitelo parece muito grande!”



19-11-2008
06:40




Apresentação fetal anterior, membro esquerdo flexionado e edema no pescoço

Pela desproporção feto-materna, a opção era cesariana, mas a vaca foi para abate ***

* O proprietário optou pelo abate de emergência, apenas para não arriscar os gastos da cesariana vs futuros pressupostos problemas de fertilidade, mesmo tratando-se de uma primípara. A novilha foi aprovada para consumo humano (Matadouro de São Miguel - MSM).
** Após o parto, foi observada a progressiva eliminação de cerca de 100 litros de fluido uterino (Hidropisia Uterina). Essa vaca foi tratada, mas morreu por desidratação e septicémia passadas cerca de 12 horas.
*** O proprietário optou pelo abate de emergência, porque a vaca era da 5ª barriga e não lhe pareceu economicamente viável a cesariana. Foi rejeitada para consumo humano por “mau cheiro da carcaça”, presumivelmente, pelo feto apresentar-se morto no útero há mais de um dia (MSM).


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